por Flavio Pessoa
Imagine que você está espremido num bloco carnavalesco e, em meio a uma nuvem de confetes e serpentinas você repara, ao fundo, um folião mais afastado, parado, com um caderno de desenho na mão esquerda e uma caneta na outra. Você percebe que o figura está desenhando, quando ele só tira o olho do caderno para olhar em frente, sempre para o mesmo ponto. Observando, como se pudesse projetar a imagem para dentro do cérebro e tentar fazer a mão reproduzir o que o olho vê. E o que o olho vê, nada mais é do que um mero fragmento, mínimo e efêmero, de todo o deslumbre visual de fantasias, faixas e estandartes desfilando à sua volta.
Meu desejo de desenhar o carnaval já vinha de longe, mas como eu nunca sabia aonde iria, ou que horas ia voltar, ponderava se o material não ia acabar me atrapalhando ou ficando esquecido em algum canto. Mas os carnavais foram passando e fui descobrindo alguns blocos mais tranquilos, menos tumultuados. Assim cheguei no “Baile do André Diniz”, que acontecia no sábado gordo, na Rua do Ouvidor, no trecho entre a livraria Folha Seca, do simpático e querido Rodrigo Ferrari, que promovia o evento. Ambiente agradabilíssimo, cerveja boa e gelada, que eu comprava na tabacaria vizinha à livraria, músicos de primeira linha, e ainda por cima, meu repertório preferido: sambas e marchinhas de todos os tempos. Nessa mesma época, o grupo carioca de desenhistas de rua, Urban Sketchers Rio [1], do qual tenho muita satisfação em dizer que faço parte da coordenação, passou a promover em 2019 encontros nas segundas de carnaval. Era na Presidente Vargas, na altura da Praça Onze, para desenharmos os carros alegóricos recebendo os arremates finais para entrar na avenida, dali a algumas horas. De lá, os mais animados iam para outros blocos. Assim comecei a levar mais o caderno para o carnaval e pude, enfim, registrar no papel os detalhes que a memória já não conseguiria reter.
Este ano, infelizmente, tudo indica que vai ser igual aquele que passou, quando pela primeira vez na nossa história, o carnaval foi realmente cancelado. Só uma pandemia assolando o mundo no século XXI para cancelar essa festa tão importante do calendário nacional. Desta vez, o desfile das escolas foi adiado e a prefeitura não concedeu licença para nenhum bloco de rua desfilar neste final de fevereiro. Se haverá ou não, algum bloco rebelde e insistente, a princípio, desconheço e, lamentando muito, não cogito estar presente. Não acho que o momento seja propício. Por isso, os desenhos que fiz dos últimos carnavais, hoje me servem de fantasia, além de memória. Vou me guardando para quando o carnaval… puder chegar com segurança.
Na seleção que apresento aqui, procurei mostrar um passeio carnavalesco por diferentes perspectivas desta festa múltipla. Trago aqui alguns desenhos da montagem dos carros alegóricos, dos blocos e bailes, de botequins, e até do metrô, mostrando que é impossível andar pelas ruas do Rio sem esbarrar no carnaval. São desenhos feitos em sua maioria, à caneta esferográfica ou nanquim. Algumas vezes combinava com uns dois lápis de cor, como azul e vermelho, mas era em casa, que eu trabalhava mais as cores e a finalização geral. São registros de uma memória visual do carnaval, onde poucos se aventuram. Meus croquis carnavalescos, acreditei que podem interessar ao menos como um registro de um olhar de dentro, de quem já se divertiu muito festejando e desenhando o carnaval. A todos, inesquecíveis futuros carnavais!
[1] Urban Sketchers Rio é uma representação municipal de uma comunidade internacional de desenhistas, sem fins lucrativos, que tem por propósito reunir desenhistas em pontos de interesse de sua cidade e compartilhar os trabalhos nas redes. https://www.facebook.com/groups/uskrio/
ESCOLAS DE SAMBA
BLOCOS
BOTEQUINS
METRÔ (voltando pra casa)
Flavio Pessoa é formado em design gráfico, ilustrador do ramo editorial. Doutor em Artes Visuais pelo PPGAV, da Escola de Belas Artes (2021), onde defendeu a tese "Jeca-Tatu a rigor: Representações do povo na Careta e n’O Malho: identidade nacional na Primeira República (1902-1929)." É mestre em História Comparada pelo PPGHC, IFCS (2013) com tese sobre as charges de futebol de Lorenzo Molas e Henfil para o Jornal dos Sports.Em 2001 concluiu a especialização em história da arte e da arquitetura no Brasil, pela PUC, com monografia sobre o ilustrador Roberto Rodrigues