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Foto do escritorRaul Milliet Filho

Tirem as mãos da Floresta do Camboatá

Atualizado: 6 de ago. de 2020

No Rio de Janeiro, Crivella, Witzel e Bolsonaro querem destruir uma floresta de 200 mil árvores para construir um autódromo e prédios residenciais no bairro de Deodoro.


Mas a resistência está sendo feroz. O Deixa Falar amplia as vozes contrárias a este crime. Artistas, vereadores, deputados, jornalistas e ambientalistas se mobilizam e conquistam uma primeira grande vitória:





Deputado estadual Waldeck do PT fluminense.


VEREADOR PAULO PINHEIRO DO PSOL-RJ CONTRA A DERRUBADA DA FLORESTA DO CAMBOATÁ



VEREADOR REIMONT DO PT-RJ: "TIREM AS MÃOS DA FLORESTA DO CAMBOATÁ".



CHICO ALENCAR DO PSOL-RJ: "AUTÓDROMO ALI NÃO"


André Trigueiro bem didaticamente fala sobre o absurdo da substituição da Floresta do Camboatá pelo empreendimento do autódromo e outros imobiliários em seu Instagram.



Evandro Mesquita



Mateus Solano




Marcos Palmeira


 

O autódromo e a floresta do Camboatá, uma fábula carioca


Por Ruth de Aquino matéria publicada no site do O Globo em 30/07/2020



A Floresta do Camboatá, com árvores raras de até 20 metros de altura, está ameaçada pela construção de um circuito de F1 com uma pista de quase 6 km de extensão | Reprodução Foto de Gustavo Pedro

Não sei se chamo de escândalo. Roubalheira. Ou burrice. Na dúvida, tudo junto. Precisamos impedir que se passe a boiada no Rio. Pensamos na Amazônia e esquecemos que há florestas em perigo na nossa esquina. Cerca de 180 mil árvores na Floresta do Camboatá podem ser dizimadas, com bênção oficial, para construir um autódromo de quase R$ 1 bilhão. Tudo para levar a Fórmula 1 de Interlagos, em São Paulo, para a Zona Norte do Rio. Rixa provinciana, inoportuna, sem sentido. Pior, um crime ambiental. Uma audiência pública virtual prevista para 7 de agosto, agora, é passo decisivo para se ir adiante com o novo autódromo.

Esses verdes ecochatos são todos contra o desenvolvimento econômico, não é mesmo? Vamos aproveitar a pandemia para passar a motosserra no desconhecido Camboatá, naquela região carente, cimentada e calorenta de Deodoro e Guadalupe. Você já ouviu falar? Os influenciadores ricos da Zona Sul só visitam o Jardim Botânico e o Parque Lage. Nem sabem onde fica o Camboatá.

Eu nunca fui ao Camboatá nem conhecia sua história. O nome vem de uma árvore comum, com flores brancas e frutos que atraem pássaros. Último lugar de Mata Atlântica de áreas planas na cidade, com fauna e flora em extinção. Só restam no Brasil 12% de Mata Atlântica. O Camboatá tem 200 hectares, equivalente a 200 campos de futebol, com nascentes e áreas úmidas onde, nas cheias, ressurgem os peixes rivulídeos, conhecidos como peixes das nuvens, porque reaparecem com as chuvas. Peixes nas nuvens me remetem ao realismo fantástico latino-americano.

Como trocar oxigênio e beleza eternos por especulação imobiliária e uma pista de 5.835 metros de extensão com uso esporádico nos GPs? Um projeto que nem sabemos se ficará pelo meio ou se será abandonado após a construção, como tantos elefantes brancos de obras megalômanas. Querem destravar logo. E construir o circuito em um ano, para ter a F1 já no Rio em 2021. Que chá de cogumelo esse pessoal toma?

O terreno é do Exército. Havia ali paióis de munição. Cientistas do Jardim Botânico, entre eles o biólogo e pesquisador Haroldo Lima, minha maior fonte para este artigo, começaram a catalogar as árvores do Camboatá na década de 1980 a pedido dos militares. No governo Cabral, em 2010, surgiu a conversa de construir ali um autódromo. E como as péssimas ideias sempre sobrevivem no Rio, quando há muita grana envolvida, a pressão aumentou agora.

Vamos comemorar, cariocas, vamos tirar a F1 dos paulistas, num ano em que o Grande Prêmio Brasil foi cancelado por conta da pandemia descontrolada. Por que será que insistem no novo autódromo num estado quebrado, falido, desigual, com necessidades urgentes como escolas, hospitais, saneamento, moradias dignas e segurança? Como assim? Ah, esqueci. Tem aquela história de “legado” pra boi dormir.

Faz quatro anos desde a Olimpíada do Rio. O Brasil prometeu a 2 bilhões de espectadores criar a Floresta dos Atletas. No Maracanã, os atletas plantaram, em totens, sementes que seriam levadas para Deodoro. Lindo. Seria “um legado olímpico verde”. Faltou dinheiro. Tinha de faltar. Precisávamos de joias e barras de ouro. Somente em dezembro do ano passado, três anos após os Jogos Olímpicos, foram replantadas as 13.725 mudas de 207 espécies da Mata Atlântica com o esforço de Patricia Amorim. Os custos de mais de R$ 3 milhões foram cobertos por empresas devedoras que causaram danos ambientais.

Quanto papo me-engana-que-eu-gosto. A turma do autódromo do Rio promete compensar a destruição da floresta com propostas inexequíveis, como “um novo corredor verde entre maciços da região”. Tudo para rotular o projeto de “autódromo verde e sustentável”. O único verde que esse pessoal idolatra, sério, deve ser o dólar.

Os argumentos a favor são os de sempre. “O dinheiro não será público, será privado”. “F1 trará receita milionária para o Rio”. “Vamos plantar árvores para compensar a derrubada da floresta”. “Atrairemos turismo para uma área degradada”. Tem cara de maracutaia, tem focinho de maracutaia. O autódromo será um lindo cartão postal, já pensou se nem uso tiver?

O hexacampeão mundial Lewis Hamilton já se disse contra o autódromo no Camboatá. “Vão derrubar árvores? Amo o Rio. Mas não quero correr em um circuito que prejudique uma terra tão bonita para nosso futuro”. Felipe Massa também reprovou. Correr sobre as cinzas de árvores nativas não pega bem. O mundo dos negócios não está mais disposto a associar suas marcas à devastação de uma floresta rara.

Construam o autódromo em outro lugar, gritam os ambientalistas e Caetano Veloso, que morou adolescente em Guadalupe. O Movimento SOS Camboatá sugeriu seis outros lugares no entorno para a construção do circuito, sem mexer na floresta. Mas, sabe como é, tem coisa aí. Meu apelo é mais radical. Esqueçam esse autódromo do Rio, que virou para o presidente B. uma obsessão semelhante à cloroquina. Quer porque quer a F1 no Rio. Lembram o Ronaldão falando que “não se faz Copa com hospitais”? Sempre é bom lembrar. Um copo vazio está cheio de ar.

Quantas negociatas se escondem por trás? Os idealizadores do GP no Rio alegam que vão derrubar (apenas) 30 mil árvores. Mas esse é só o espaço ocupado pela pista e pelo aparato necessário às corridas. Os restantes 41% do terreno serão “cedidos à Rio Motorpark”, subsidiária da americana Rio Motorsports”, como “contrapartida imobiliária”. Ou seja, para construir condomínios, prédios, derrubar mais árvores.

O projeto está cheio de pegadinhas. A empresa Rio Motorpark foi criada às pressas, 11 dias antes de ser anunciada sua escolha. Sem capital e sem estrutura para obra desse porte. Sua garantia é um “bank” não autorizado pelo Banco Central.

Tenho uma esperança. O projeto é tão esdrúxulo que não vingará. E não será apenas por uma reação ambientalista, mas do business da F1, que planeja futuramente corridas sustentáveis, com carbono zero e combustível não poluente. A história do Camboatá vai correr o mundo. Vai virar uma luta de todos. A boiada não vai pastar na floresta carioca.


 

No meio do caminho de um autódromo, há uma floresta

Por Rogério Daflon matéria publicada no site ((o eco)) em 30/06/2019


A floresta de Camboatá em relação aos maciços Gericinó-Mendanha, Pedra Branca e Tijuca. Conectividade. Fonte: Google Earth.

A celeuma levantada pela possibilidade de construção do novo autódromo do Rio de Janeiro no bairro de Deodoro, na zona oeste da capital, vai aumentar nos próximos dias. Ambientalistas de um lado tentam mostrar à prefeitura do Rio que no lugar escolhido para se ouvir ronco de motores mora a Floresta do Camboatá. A cobertura vegetal no lugar é um dos raros redutos de Mata Atlântica em terrenos planos na capital. Segundo Haroldo Cavalcante de Lima, pesquisador do Jardim Botânico, a cidade perderia muito com a supressão daquele incrível espaço verde, cujo nome científico é Floresta Ombrófila de Terras Baixas. O Ministério Público Federal já solicitou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Já o poder público, em suas três esferas de governo, parece irredutível em relação à implantação do autódromo ali.

O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou, este mês, um termo de compromisso com o fim de assegurar a viabilidade de um autódromo na área. A assinatura ocorreu em evento junto com o prefeito Marcelo Crivella e do governador Wilson Witzel.

Haroldo Cavalcante diz, porém, que melhor seria construir essa estrutura em uma área vizinha à Camboatá, e assegura que existem terrenos disponíveis para tanto. Nesta entrevista, ele explica por que Camboatá é tão importante para a cidade.

Confira a entrevista na íntegra:


((o))eco: Por que o Jardim Botânico se posiciona a favor da preservação da Floresta de Camboatá?

Haroldo Cavalcante de Lima: A história e os estudos do Jardim Botânico na Floresta de Camboatá começaram em meados da década de 1980, quando o Exército nos pediu para fazer um levantamento da flora ali. A solicitação era para identificar todas as árvores. Quando chegamos lá, concluímos que, com aquele tipo de floresta, não havia nada parecido mais no município do Rio de Janeiro. Praticamente todas foram suprimidas pela expansão da própria cidade. O fato é que passamos a ir com alguma frequência àquele lugar. E guardamos as informações no depositário de dados do Jardim Botânico. Até que, em 2012, ouvimos as primeiras notícias sobre a intenção de se construir um autódromo no local. Porque com o fim do Autódromo Nelson Piquet, em Jacarepaguá, a prefeitura prometeu esse grande terreno na floresta para instalação de outro.


Houve à época algum reação a um autódromo ali?


Haroldo Cavalcante de Lima, pesquisador do Jardim Botânico. Foto: Rogério Daflon.

Os ministérios públicos federal (MPF) e estadual (MPE) passaram a atuar naquela região, devido a essa questão do autódromo. O MPE entrou com uma petição solicitando ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA) a apresentação de um estudo de impacto ambiental. Paralelamente a isso, o MPF solicitou ao Jardim Botânico um parecer sobre a vegetação e sua quantificação. E isso foi fundamental. Descobrimos que, sim, a área sofreu impactos, mas cerca de 60 % cento dela têm a floresta relativamente bem preservada. E o potencial daquele espaço, em termos de recuperação da floresta, é imenso, é total.

O que diz o poder público local sobre isso?


O prefeito (Marcelo Crivella) e o governador (Wilson Witzel) têm dito que aquilo é um capinzal. Isso não é verdade. Ali há espécies típicas dessa floresta, que sempre existiu. Ela tem pontos de degradação, mas não é aquele tipo de vegetação que foi derrubada, e matas secundárias e terciárias surgiram de capoeiras. Não se trata disso. A floresta tem sementes suficientes para recuperar os 40 % de mata que precisam ser recuperadas. O Rio de Janeiro tem tudo para dar um belo exemplo de preservação e recuperação.


A floresta é vizinha de bairros como Marechal Hermes, Anchieta e Guadalupe, com pouco verde e muito cimento. Qual é a importância dessa vegetação nesse contexto?

Vamos imaginar aquela área como uma unidade de conservação aberta ao público.


Assim, daria se àquela região uma área de lazer e um lugar onde poderia se instalar um centro de pesquisa visando não só recuperar totalmente a floresta como também fazê-la de sala de aula aberta a atividades de educação ambiental. Mais: as sementes da Floresta de Camboatá poderiam ser utilizadas em outras áreas amigáveis ao plantio de florestas. Seja como for, o entorno da Floresta do Camboatá ganharia muito com a manutenção dessa mata primária. Temos de pensar, portanto, em o que é melhor para cidade. Há locais próximos a essa floresta que reúnem todas as condições de receber o autódromo. Sem ela, o clima da região, onde se faz muito calor, também será prejudicado. Não se pode destruir uma agenda positiva como essa com o mundo debatendo mudanças climáticas. A construção de autódromo ali precisa ser mais questionada. A floresta, além de ser original, está num perímetro com um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) da capital. Ela é como se fosse uma fábrica de sementes que podem proporcionar outras áreas verdes ao município. Isso tem de ser levado em conta. Pelos moradores e pela cidade em si.


Projeto do novo autódromo. Foto: Divulgação/ Consórcio Rio Motorsports.

O que deve ser feito?


Todos os órgãos técnicos deveriam estar envolvidos com a proteção da Floresta do Camboatá. Me refiro ao Inea, ao Ibama e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Seus estudos deixariam claros os impactos ambientais de um autódromo ali. E eles são maiores do que se imagina.

Como assim?


A localização da Floresta de Camboatá é estratégica para manter a diversidade nos três grandes maciços da cidade: os da Tijuca, da Pedra Branca e Mendanha Gericinó. Camboatá é uma espécie de corredor entre esses três fragmentos. Ela funciona como ponto de passagem entre eles; é o que chamamos de pontos de parada (“step stone”). Trata-se de um porto para os pássaros, que dali leva sementes para os três. Camboatá, portanto, diminui a distância dos voos dos pássaros ali, e acaba enriquecendo a fauna de diferentes florestas cariocas. É um ponto de passagem fundamental para as espécies de aves-fauna transitar entre os três. Isso porque pássaros têm com as plantas uma dinâmica de dispersão de sementes e de polinização, dando condições para o que é classificado de fluxo gênico entre populações de plantas que ocupam diferentes ecossistemas.

Há outros aspectos?

Sim, não se trata de uma floresta de encostas, como é comum se ver no Rio de Janeiro. É uma floresta plana com árvores como Jacarandá da Baía e uma intensa de canelas. A história mostra que a região era repleta de grandes fazendas. Mesmo assim, Camboatá resistiu. Nossos estudos a dividiram em duas áreas: a área tem 169 hectares e a área 2 32,8. A área 2 não estava no estudo pedido pelo Exército, e a área 1 está bem mais preservada. Ocorre que a 2 também tem qualidades em termos de vegetação, e a vantagem de estar ao lado de uma imensa quantidade de sementes para recuperá-la. Enfim, mostramos ao Exército à época que a floresta era maior do que eles imaginavam. Não quero aqui dar somente peso a espécies ameaçadas na fauna e flora ali. Para mim, é ainda mais fundamental a existência de uma floresta rara como aquela. É a floresta como um todo que mais importa. Só de árvores há 72, como pau-brasil, garapa, canela-tapinhoã, entre outras; e arbustos, 18. Veem-se árvores ali com copa de 20 metros de diâmetro. Preservá-la mostraria que o Rio de Janeiro é capaz de desenvolver a cidade sem entrar em conflito com seu ativo principal, o meio ambiente.


Imagem do Campo de Instrução de Camboatá (Área 1) e de área militar anexa ao leste (Área 2). Fonte: Google Earth.

 

Raul Milliet Filho é Historiador, criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários: “Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.





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